Torre de Vigia

Por mais óbvio que pudesse ser, Andilla permanecia irritada com o que havia acontecido na noite anterior. Não conformava-se, por mais que tentasse convencer a si mesma de que não havia com o quê se conformar, achava ainda uma falta de respeito de Idriel para com Oziel. Como ele pudera atacar o General daquela forma? Subia as escadas de modo silencioso. Não foi surpresa nenhuma para os demais quando a viram entrar na Torre. Liberou três guardas que ali estavam. ── Vão descansar um pouco. O turno de vocês foi prolongado, mas eu fico por aqui enquanto não vier o sono. ── Sentenciou. Ouviu alguns protestos como "não é justo com você", mas os olhos que mais pareciam com duas esferas de gelo fitaram um a um. Não era um pedido, afinal de contas. Eles recolheram os pertences e armas e saíram. Andilla estava com os cabelos soltos, o branco como a neve sendo um destaque naquela noite. Olhava para as estrelas, pensativa. Usava a armadura da Guarda Real, uma vez que sabia que para as patrulhas aquilo era essencial. Enquanto fitava as nuvens e suas diversas formas, lembrava-se do próprio passado - e o quão horrível ele fora. Havia, no entanto, construído um nome, uma honra. Suspirou baixo e levou a mão até o cabo da espada. Novamente o episódio envolvendo Idriel veio a sua mente - não havia cruzado com o rapaz desde a noite anterior. Sabia que o drinael estava por ali, assim como sabia que quem havia impedido algum encontro entre ambos havia sido Oziel. ── Moleque idiota. ── Comentou, para si mesma.

A voz surgiu repentinamente. Andilla virou-se, com uma adaga do quartel entre seus dedos e a outra mão preparada para sacar a espada se fosse necessário. "Boa noite, dama-de-gelo". A voz fez com que Andilla não relaxasse sua própria postura, mantendo-se um pouco inclinada, em posição de ataque. Até Idriel estender um envelope. Abaixou o olhar, os olhos azuis fitando sem muito interesse o papel: era de um tom de pergaminho, quase branco, e contendo o selo de Mirakel. Andilla ergueu os olhos, fitando o rapaz. ── Observar as estrelas, nesse momento, tornou-se algo desagradável com você aqui. ── A voz cortante. Os olhos como se estivessem congelados enquanto fitavam o rapaz. Quem ele pensava que era para ir até ali? Andilla guardou a adaga, com um sorriso debochado nos lábios. ── O que é isso, rapaz? ── Não esperou a resposta: rapidamente rasgou-o, sem pretensão de sequer pedir desculpas por aquilo. Jogou o que sobrou do envelope no chão e pisou em cima. ── Não estou com paciência para suas brincadeiras. Se me der licença, eu tenho mais o que fazer, como vigiar a entrada do Quartel, uma vez que graças a sua maldita moto, o ruído deve ter nos denunciado. ── Decretou, virando-se de costas para ele.

Desde que entrou na Guarda Real - e isso fazia muito mais tempo do que ela lembrava-se -, uma das pessoas que sabia que não mereciam aquele uniforme era Idriel. ── Escute bem. Eu não me importo se você é ou não o futuro rei. Não me importo se és filho de Oziel, noivo de Elleanor. Não me importo pelo simples fato de você ser um garoto mimado. Muito cômodo a você simplesmente esquecer de suas obrigações, não é?! ── Não sabia qual seria a reação de Idriel, apenas sabia que cada palavra que saía da boca do rapaz era algo que a deixava irritada. Deu alguns passos adiante, ficando a centímetros de distância do drinael, que era mais alto - e por isso, Andilla precisava erguer um pouco a cabeça. ── Saia daqui, Idriel. ── Avisou. No entanto, ao ouvir a segunda proposta, Andilla Mornïe aproximou-se. Com um forte impulso, a drinael deu-lhe um empurrão. Não sabia se havia pegado-o de surpresa, mas não iria temer se ele voltasse - e tinha certeza que Idriel tinha inteligência para não morrer. Se quisesse, claro. ── SOME! ── Vociferou, irritando-se. Por que mesmo havia ido até ali? Idriel já havia acabado de estragar tudo, mesmo.

Sabia que ele voltaria. É claro que voltaria, uma vez que parecia determinado. Mas quanto tempo aquela determinação realmente estaria impregnada nele? Eram conflitos que Andilla sabia que não poderiam adiar. Desde que eram pequenos, treinando ao lado de Idriel, Andy sabia que ele tornaria-se um guerreiro. Mas depois de Idriel conhecer o mundo humano, tudo aquilo havia mudado. Ele não mais se importava com os deveres para com o povo de Mirakel, com os drinaels. Era como se mundo humano fosse sua primeira casa, aquela havia abrigado-o quando era criança - e como se Mirakel fosse um simples passatempo do qual poderia fugir o quanto quisesse. E Andilla não suportava ver Oziel do modo como ficava quando criticavam Idriel. As irresponsabilidades daquele moleque estavam dando mais prejuízos do que deveria, e ela sabia muitíssimo bem daquilo. Os guardas fizeram menção de se aproximar quando escutaram os gritos de Andilla, mas ela simplesmente ordenou que eles e Rähvin ficassem lá embaixo. Aquilo era assunto deles, e ela não deixaria ninguém interferir. A voz dele revelou o desejo e ela manteve-se imóvel. Não por choque, por surpresa. Por precaução. A ira que Idriel havia despertado não podia ser medida, mas ela tinha certeza de uma coisa: ele não sairia impune. A primeira coisa que fez foi lançar-se contra ele, a adaga em mãos. Não iria matá-lo, mas com certeza iria machucá-lo. A intenção era a lâmina atingir diretamente o braço do rapaz, e a primeira reação de Andilla foi tentar derrubá-lo, usando o pé direito para fazer com que ele tropeçasse. ── Você não merece! VOCÊ NUNCA MERECEU, NUNCA VAI MERECER. ── Gritava agora a plenos pulmões, enquanto tentava desferir socos no rapaz, já com a adaga guardada - não iria tirar nem ela e nem mesmo a espada do quartel... Não enquanto não fosse necessário.

Não era nem de longe uma surpresa ver a adaga de Idriel caída no chão. Chutou-a para longe, não dando exatamente para o rapaz se aproximar e juntá-la, uma vez que ele poderia feri-la com ela. Ficou satisfeita ao constar o sangue no braço, assim como quando seus punhos acertavam em cheio o rosto de Idriel. Um, dois, três socos havia sido dados, e Andilla não hesitava em aplicar a força necessária - e aquilo constava em muita força. E quando ele movimentou a perna, ela sabia o que viria a seguir. Eram os mesmos movimentos que ele usara contra Oziel. O chute não havia acertado-lhe, e embora a armadura fosse o suficiente para proteger seu corpo, ela sabia que não sairia daquela situação totalmente impune. Eram duas feras lutando uma contra a outra, e se ela bem o conhecia, ele não desistiria. Ela, muito menos. Ouvia os soldados, que pareciam fazer força necessária para conterem Rähvin. Desviou do primeiro golpe mais por instinto e reflexo do que qualquer coisa, mas quando viu o punho de Idriel descendo, amaldiçoou a si mesma. A pancada fez com que a drinael acabasse deitada no chão, mas Andilla não expressava dor, tampouco cansaço: iria fazer o que fosse para vencer aquele moleque. Ela rapidamente agarrou-lhe pela perna e tentou fazer com que caísse, ainda um pouco desnorteada, e totalmente certa de que aquilo daria certa - precisava dar certo. ── Vai precisar fazer mais do que isso. ── Disse, levantando-se em seguida. Apoiou-se rapidamente no parapeito e em seguida desferiu-lhe um chute no estômago. Não teria misericórdia, e esperava que ele também não tivesse. Não se quisesse mesmo entrar para a guarda real.